"Muros de Abrigo"

Subo as escadas e torno a descer. Transponho a porta vermelha ou será amarela. Oiço vozes. Falam alto. Espreito nas frichas e vejo meninas que se olham ao espelho ou casais que dançam o tango. Adorava ser mosquito e atravessar estas paredes, voar entre janelas entreabertas e observar os vizinhos. Fico sózinha no meio do hall e procuro ouvir o que a minha anfitriã diz antes de eu chegar... Não consigo, uns capotes altos empurram-me para dentro da casa....



A casa é alegre e ela recebe-me deitada no sofá.

Há flores por regar...



Cadeiras para nos sentarmos.


Mesas postas para servirem a refeição. Só faltam os convidados. No entanto, pela janela,  já vejo uma mesa posta e uma família a jantar. Não conseguimos falar com o barulho que fazem os talheres e a loiça.
Há fotografias nas paredes que são invadidas por objectos.


E correntes de ar. Fujo pelo corredor.

Não sei onde me leva. Serão os corredores seguros? Arrisco.
Finalmente a salvo pego na lupa e tal Sherlock tento desvendar o mistério das palavras "Ler através dos espaço em branco entre as palavras", "Ler através das palavras"... Ler...ler...ler

Avanço de lanterna em mão, e preparo-me para entrar na adega escura onde se guarda o vinho. Engano-me e vou ter à sala onde se guardam as chaves. Agarro "A chave do Portão" e fujo.

Canso-me deste jogo de "podes olhar, mas não podes tocar". Sinto a intimidade da casa dos outros mas da qual não posso participar. Do medo de ser descoberta a ouvir atrás das portas. 

Cá fora respiro ar puro. Para trás fica o ar bafiento. Espreito por detrás das janelas (telas brancas) e num jogo de espelhos espreito o cesto cheio de roupa por passar (e lembro-me do meu).

Convidam-me para o pic-nic de Manet, agradeço mas recuso. Faz-se tarde. Um baloiço lá fora espera por mim ("Don't trust architects" by Didier Faustino). 



"Muros de Abrigo"
Ana Vieira, nasceu em Coimbra em 1940, mas cresceu na ilha de São Miguel, nos Açores.
Curadoria: Paulo Pires do Vale

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